sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Crônica

LEMBRANÇAS
HELENA FERREIRA

As memórias vêm e vão fluindo como flash transportando-nos ao passado, muitas vezes tão distantes e então paramos por algum tempo e nos deparamos com a matemática, calculando o tempo, quando, em que época foi feito esse registro em nossas vidas.
Esse tempo às vezes se torna tão remoto, tão distante, fora do alcance de nossas lembranças, as horas se passam e nós ali, tentando trazer à tona as relíquias guardadas no baú chamado saudade.
Hoje, passei por essa experiência, quando o telefone tocou e minha mãe com toda cortesia me oferecia sementes de romã, para o dia de Reis. Muitas pessoas ainda acreditam nessa “simpatia” que é feita no Dia de Reis Magos – que possa trazer prosperidade ao longo do novo ano que se inicia.
Muitos flashes em minhas lembranças se abriram como fogos de artifício, e me vi em várias épocas onde vivenciei fatos ligados ao nascimento de Jesus, e à visita ao Menino Jesus pelos Reis Magos. Quando pequena eu ouvia dizer que esses três reis levaram presentes para Jesus, seguindo a estrela guia. Ficava por horas, sentada em frente ao presépio na sala da casa de minha avó paterna olhando essas figuras que faziam parte daquele cenário e imaginava como seria aquele lugar, o cheiro do incenso, do perfume e como chegar até lá seguindo uma estrela. Ficava tentando lembrar o nome dos reis e sempre esquecia como se chamava o terceiro rei, Baltazar, Belchior e Gaspar.
Voltei à memória mais recente e soaram em meus ouvidos uma canção de Natal que diz assim:
“E levaram os três dons:
Ouro, mirra, incenso bom.
Para a vir, vir, vir
Para a vir, gem, gem
Para vir, para gem
Para virgem pia
Nossa mãe Maria.”

Em um mergulho ao fundo de minhas lembranças sobre o dia de Reis, voltei à minha infância, num lugarzinho muito distante, bem escondido entre alguns morros e de difícil acesso. Nesse lugar só recebíamos visitas de pessoas muito queridas que andavam quilômetros à pé ou no lombo de cavalos. Atravessando muitas vezes o rio Pará em uma balsa – quando me lembro de deveras passei por tantas vezes, no rio, em forte correnteza, me passa um frio pela espinha – para ter aceso a esse lugar de que hoje me recordo.
No entanto, todo ano no dia seis de janeiro, acontecia a “Folia de Reis”, que é parte viva de nosso folclore, hoje quase desaparecido.
Cavalheiros mascarados que tocavam, cantavam e dançavam, visitando todas as casas da redondeza, arrecadando donativos para as entidades carentes.
Eles saíam durante a noite, visitando todas as casas da vizinhança. Quando chegavam à nossa casa já eram altas horas da noite. Muitas vezes não aguentávamos o sono de crianças e adormecíamos - eu e meus irmãos. Acordávamos com a cantoria pela estrada afora, aproximando-se da porteira há uns duzentos metros da nossa casa.
Levantamos todos para receber os festeiros. Quando então minha mãe corria para a cozinha para aquecer o chá e preparar o café fresquinho que espalhava aquele aroma perfeito para a acolhida dos visitantes.
Nós crianças, ficávamos trepados em um banco em frente à janela, para vê-los chegando ao terreiro, de terra bem branquinha, varrido com folhas de alecrim que deixavam um delicioso cheiro de limpeza naquela noite estrelada que parecia convidar para uma dança.
A noite de reis passava tão depressa, ou seria mesmo a ansiedade de aproveitar cada momento de espera naquele dia, naquele lugar que quase nada acontecia. Mas na verdade, nós tínhamos mesmo era medo de conhecer o que existia debaixo daquelas máscaras dos reis, que sempre foi um mistério para nós. Quem seria o personagem mascarado? Até hoje não sabemos.
A noite passava...
E esperávamos até o próximo ano, a Folia de Reis.

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