domingo, 21 de dezembro de 2008

Pensamentos acerca da Filosofia

Pensamentos acerca da Filosofia

Helena Ferreira,

Os conceitos da vida e do mundo que chamamos "filosóficos" são produto de dois fatores: um constituído de fatores, religiosos e éticos herdados; o outro, pela espécie de investigação que podemos denominar "científica", empregando a palavra em seu sentido mais amplo. Os filósofos, individualmente, têm diferido amplamente quanto às proporções em que esses dois fatores entraram em seu sistema, mas é a presença de ambos que, em certo grau, caracteriza a filosofia.

"Filosofia" é uma palavra que tem sido empregada de várias maneiras, umas mais amplas, outras mais restritas. Pretendo empregá-la em seu sentido mais amplo, como procurarei explicar adiante. A filosofia, conforme entendo a palavra, é algo intermediário entre a teologia e a ciência. Como a teologia, consiste de especulações sobre assuntos a que o conhecimento exato não conseguiu até agora chegar, mas, como ciência, apela mais à razão humana do que à autoridade, seja esta a da tradição ou a da revelação. Todo conhecimento definido – penso: pertence à ciência; e todo dogma quanto ao que ultrapassa o conhecimento definido, pertence à teologia. Entretanto, entre a teologia e a ciência existe uma Terra Indefinida. Exposta aos ataques de ambos os campos: essa Terra é a filosofia. Quase todas as questões do máximo interesse para os espíritos especulativos são de tal índole que a ciência não as pode responder, e as respostas confiantes dos teólogos já não nos parecem tão convincentes como o eram nos séculos passados. Acha-se o mundo dividido em espírito e matéria? E, supondo-se que assim seja, que é espírito e que é matéria? Acha-se o espírito sujeito à matéria, ou é ele dotado de forças independentes? Possui o universo alguma unidade ou propósito? Está ele evoluindo rumo a alguma finalidade? Existem realmente leis da natureza, ou acreditamos nelas devido unicamente ao nosso amor inato pela ordem? É o homem o que ele parece ser ao astrônomo, isto é, um minúsculo conjunto de carbono e água a rastejar, impotentemente, sobre um pequeno planeta sem importância? Ou é ele o que parece ser a Hamlet? Acaso é ele, ao mesmo tempo, ambas as coisas? Existe uma maneira de viver que seja nobre e uma outra que seja baixa, ou todas as maneiras de viver são simplesmente inúteis? Se há um modo de vida nobre, em que consiste ele, e de que maneira realizá-lo? Deve o bem ser eterno, para merecer o valor que lhe atribuímos, ou vale a pena procurá-lo, mesmo que o universo se mova, inexoravelmente, para a morte? Existe a sabedoria, ou aquilo que nos parece tal não passa do último refinamento da loucura. Tais questões não encontram resposta no laboratório. As teologias têm pretendido dar respostas, todas elas demasiado concludentes, mas a sua própria segurança faz com que o espírito moderno as encare com suspeita. O estudo de tais questões, mesmo que não se resolva esses problemas, constitui o empenho da filosofia.”

Se me disponho a filosofar, é porque busco compreender as coisas e os fatos que me envolvem, a realidade em que estou imerso. E porque quero saber o que posso saber e como devo ordenar minha visão do Mundo, como situar-me diante do Mundo físico e do Mundo humano e de tudo quanto se oferece à minha experiência. Como entender os discursos dos homens e meu próprio discurso. Como julgar os produtos das artes, das religiões e das ciências.

Mas não posso esquecer todos os outros que filosofaram antes de mim. Num certo sentido, é porque eles filosofaram que me sinto estimulado a retomar o seu empreendimento. O legado cultural da espécie põe à minha disposição uma literatura filosófica extremamente rica e diversificada, de que minha reflexão se vai alimentando. Se me disponho a filosofar, tenho também de situar-me em relação às filosofias e a seus discursos, tenho de considerar os problemas que eles formularam e as soluções que para eles propuseram.

Esse Mundo mais próximo de mim se me apresenta também como um Mundo habitado por coisas que me são semelhantes, segundo graus diversos de semelhança. Por corpos físicos, como o corpo físico que sou. Por seres vivos, como o ser vivo que sou. Mas, em particular, por homens como eu, seres fundamentalmente semelhantes a mim, seres que sentem, pensam e falam, corpos pensantes como eu, em meio às outras coisas e processos do Mundo. Seres humanos que, como eu, interagem com o Mundo físico que os cerca e, em particular, interagem continuadamente uns com os outros, inextricavelmente imbricados na vida social da espécie. Suas vidas imergem como a minha na experiência cotidiana do Mundo. Nele os homens nascem, sofrem, trabalham, gozam e morrem.

Minha imersão no Mundo me aparece irrecusavelmente como mediada por esse Mundo humano, de que faço parte com todos os homens. Apareço-me como um recém-chegado à vida da espécie, à sua cultura e civilização, trazido à vida pela sociedade humana e por ela integrado na sua história. Acolhendo-me, transmitiram-me práticas e costumes, modos de pensar, a linguagem de que me sirvo, os conceitos que nela expresso. Neles eu nasci e por eles fui condicionado. Por isso mesmo, minha experiência do Mundo humano me aparece como absolutamente fundamental. Uma experiência que inteiramente. Com relação ao Mundo Humano, nossa experiência comum é também a experiência de nossa contingência e precariedade. Precariedade de nossas vidas e de nossas instituições. Imersos na história dos homens, contingência de nosso pensamento e de nossa linguagem, de nossas crenças e de nossos discursos, de nossos pontos de vista. Precariedade e contingência de nossa situação e que me leva a dizer espontaneamente "nós" em lugar de "eu".

O que pretendo é que essa minha visão do Mundo tem muito em comum com as visões que os outros homens, meus semelhantes, têm, do Mundo, eles que estão imersos como eu na experiência cotidiana da vida comum. Visões do Mundo que se lhes impõem tranqüilamente, sem opções ou decisões de sua parte. Visões em que espontaneamente registram, antes de qualquer adesão à teoria ou preferência por doutrina, sua experiência básica da Realidade em que se reconhecem integrados. Em verdade, todos sabemos que essas múltiplas visões do Mundo são, também, extremamente diferentes e variadas, refletindo a infinda diversificação das situações humanas, incorporando elementos de toda procedência e natureza, exibindo as mais diversas ontologias. Nem concebemos que pudesse ser de outra maneira. E experimentamos todos quanto nossas próprias visões particulares do Mundo se modificam substancialmente no decorrer de nossas vidas, por exemplo rejeitando velhas entidades ou acolhendo outras novas.

“Um salto qualitativo verdadeiramente se opera. E a filosofia vence a barreira da linguagem.” Oswaldo Porchat

Clássicos da Filosofia:


Aristóteles: a Política, a Arte Poética e os Tópicos.
Descartes: Discurso do Método.
Erasmo de Rotterdam: Elogia da Loucura.
Espinosa: Tratado sobre a Correção do Intelecto.
Heidegger: ‘O que é Isto, a Filosofia?’ e ‘O que é Metafísica?’.
Hume: Ensaio acerca do Entendimento Humano,.
Kant: Crítica da Razão Prática.
Maquiavel: O Príncipe.
Pascal: Pensamentos.
Platão: Apologia de Sócrates, O Banquete, Críton, Fédon, Filebo, Górgias, Parmênides e Teeteto.
Rousseau: Do Contrato Social.
Thomas Morus: Utopia.

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